Quimera


Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.
Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir ouvir a história de Mira Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga da mendiga.
Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo.
Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.
Por isso fiquei só, com o meu corpo.

Rosa Lobato de Faria


Os novos que se envaidecem
Pelo muito que querem ser
São frutos bons que apodrecem
Mal começam a nascer.

António Aleixo

Futuro...

O Sol hoje não apareceu
Não me viu nesta
Praia de destroços
Banhada pelas ondas
Do passado onde
Me sento, onde te sentas…
Haverá um dia
Em que o Sol
Aparecerá.
Nesse dia ele irá
Ver-nos a passear
Lado a lado
Nesta praia banhada
Pelas ondas do passado
Em que os destroços
São os outros, não nós…

Letícia Pinto

Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

António Aleixo

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.

António Aleixo


Por que a vida me empurrou caí na lama, e então...
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.

António Aleixo

POBRES DOS NOSSOS RICOS

A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.

Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro ou que pensa que tem.
Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.

A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.

Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lança-los a eles próprios na cadeia.

Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem (...)

Mia Couto